Paccelli José Maracci Zahler
Na Semana da Pátria de 2009, o governo brasileiro anunciou a compra de 36 aviões de combate Rafale franceses para uso da Força Aérea Brasileira ao custo estimado de 4 bilhões de dólares.
Particularmente, não tenho nada contra a modernização das nossas Forças Armadas, uma vez que o armamento utilizado para patrulhar e proteger as nossas fronteiras é da década de 1970. Além disso, com a descoberta de reservas de petróleo em águas territoriais e a cobiça internacional por fontes de energia, o país deve estar preparado para dissuadir qualquer tentativa de tomada das nossas riquezas minerais por parte de outras nações.
Por outro lado, existem questões ambientais, questões de saneamento básico e de saúde pública que necessitam da nossa atenção.
O artigo intitulado “O peso do homem na Amazônia”, Revista VEJA, Especial Amazônia, de setembro de 2009, traz alguns números preocupantes. Vejamos: na Região Norte somente 9,7 % dos domicílios são atendidos pela rede de esgoto, enquanto a média nacional é de 51 %; a cidade de Belém lança nos rios e igarapés 92 milhões de metros cúbicos de esgoto não tratado por ano.
Com relação à saúde pública, a tuberculose chega em média a 46 casos por 100 mil habitantes, 20 % acima da média nacional; a hanseníase chega a 69,4 casos para cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 26,2 casos por 100 mil habitantes.
No que tange à desnutrição em crianças em idade escolar, em Manaus a taxa é de 10 %; no interior do Estado do Amazonas, de 23 %; e nas comunidades às margens do Rio Negro chega a 35 %. A média nacional é de 7 %.
Desmata-se, em média, 50 km2 de floresta por dia, o que significa um total de 370 mil km2 desmatados na Região Amazônica nos últimos 20 anos.
Deixando a Região Norte de lado e vindo para o Sul, verificamos um aumento da criminalidade, da insegurança, dos problemas psiquiátricos decorrentes do estresse, das licenças médicas por lesões por esforço repetitivo (LER), pois as atividades laborais são incompatíveis com a natureza humana, somados à poluição por emissões de gases das fábricas, dos automóveis, da poluição visual e sonora, do acúmulo de lixo nas esquinas, dos moradores de rua, do consumo de drogas.
Quem já viveu algumas décadas percebe que a vida está desequilibrada e que as pessoas andam com os nervos à flor da pele.
Recentemente, veio a notícia de que um açougueiro seguira e degolara uma senhora porque ela havia pisado no seu pé, embora tenha pedido desculpas.
Há alguns anos, um médico esquartejou sua namorada porque se sentia incomodado com a presença dela no seu consultório.
Diante disso, há uma voz no peito de cada ente humano clamando por uma mudança na sociedade.
Não é possível que, diante de tantos problemas ambientais e de saúde ocasionados pelo atual sistema de trabalho e de produção se insista em investir na criação de “necessidades desnecessárias”.
Há que se perguntar: Para quê tantos carros novos que usam combustíveis derivados do petróleo se o mundo caminha para a redução dos gases que causam o efeito estufa? Para quê tanta variedade de telefones sendo lançados mensalmente com tanta tecnologia? Para quê tanta informação e propaganda inúteis e tanto investimento na imagem e no marketing pessoal, na indústria da vaidade?
É duro pensar que, mesmo com os anunciados recordes de produção agrícola, existam pessoas desnutridas ou morrendo de fome. Além disso, a temperatura do planeta está aumentando em função da ação predatória do homem nos ecossistemas e a tendência é que as perdas na agricultura passem a ser mais freqüentes.
Em matéria do Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, edição de 17.set.2009, o Prof. Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz” – USP, diz que “os atuais 26 milhões de hectares de culturas que utilizam o plantio direto em todo o País são responsáveis pelo seqüestro de pelo menos 13 milhões de toneladas de CO2 ao ano”. Por outro lado, a agricultura responde hoje por cerca de 30 % das emissões de poluentes do Brasil e tem sido apontada como uma vilã do meio ambiente, embora exista tecnologia para minimizar o impacto ambiental das culturas.
Segundo o Programa Mundial de Alimentação da Organização das Nações Unidas (Jornal CORREIO BRAZILIENSE, edição de 17.set.2009), no ano de 2009, 87 milhões de pessoas passaram à condição de famintas em 2009 e a fome já ameaça 1,02 bilhão de pessoas em todo o planeta; e sete países concentram 65 % dos famintos: Índia, China, República Democrática do Congo, Bangladesh, Indonésia, Paquistão e Etiópia. Por outro lado, o Quênia, a Guatemala e Bangladesh representam os maiores desafios.
Não seria mais racional encontrar alternativas para a reciclagem dos resíduos que as indústrias e as cidades produzem antes de pensar em novidades tecnológicas cuja função é somente estimular o consumismo e gerar lucro?
Não seria importante que, concomitantemente com a compra de armas para equipar as Forças Armadas, destinar recursos para a saúde, para a educação e para o desenvolvimento sustentável?
Infelizmente, os governos medem o desenvolvimento de um país pelas estatísticas, pelo lucro obtido por suas indústrias e empresas, sem se preocuparem com o bem-estar, com a ergonomia, com as condições de vida dos trabalhadores que, nestes casos, são tratados como peças da linha de produção, podendo ser substituídos, descartados, reciclados ou repostos, dependendo dos humores das bolsas de valores. Por outro lado, isso parece estar mudando porque, em matéria do Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, edição de 17.set.2009, o presidente francês Nicolas Sarkozy sugeriu a adoção de novos indicadores de desempenho econômico propostos por uma comissão de economistas presidida por Joseph Stiglitz, americano, prêmio Nobel de Economia. Segundo a comissão, no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) seria considerado o bem-estar dos cidadãos e a sustentabilidade da economia e dos recursos naturais de um país.
Segundo Batista (2009), o sistema capitalista, estando a serviço de uma pequena elite mundial, busca se apropriar da vida por meio dos mecanismos de produção, reprodução, consumo, opressão e alienação.
Isso vem ao encontro da análise da sociedade feita por Foucault (citado por Muchail, 2009) de que vivemos atualmente em uma “sociedade disciplinar” na qual a “disciplina” envolve certos traços que, conjugados e complementares, garantem o seu funcionamento, qual sejam: a organização do “espaço” onde se distribuem os indivíduos; o controle do “tempo”; e a “vigilância ininterrupta”; além do “registro”, ou seja, da anotação do que é continuamente vigiado. Dessa maneira, são criadas condições para a construção de saberes a serem reconhecíveis como verdadeiros, em outras palavras, ocorre uma “produção de verdades”, onde os cidadãos precisam ser enquadrados (“normalizados”).
Realmente, como cidadãos nascidos, criados, educados e inseridos no sistema de produção capitalista aprendemos e achamos normais algumas “verdades” que são passadas de geração a geração.
Jaspers (2008) faz uma análise interessante do posicionamento do homem frente à profusão de informações que chegam diariamente das mais diversas fontes e que acabam promovendo sua alienação. Diz este autor:
Vendo-nos à mercê de fatos políticos e econômicos sobre os quais julgamos não ter a menor influência, sentimo-nos tentados a refugiar-nos em uma existência apolítica. Contudo, aqueles fatos são manipulados por homens. Os homens podem refletir, conhecer, alterar procedimentos, podem pensar e agir em conjunto. Consequentemente, aquela fuga nos torna cúmplices de crimes políticos.
No caso brasileiro, Barbosa (2009) diz que as reformas econômicas dos anos noventa associaram-se às heranças históricas para gerar uma sociedade onde a desigualdade passou a ser cada vez mais naturalizada, enquanto o individualismo tende a corroer as possibilidades de transformação coletiva.
Dentro desse contexto de busca de novas alternativas para a sociedade em meio a uma crise ambiental vem surgindo o ecossocialismo que, segundo Löwy (2009), é “uma corrente de pensamento e de ação que se reclama ao mesmo tempo da defesa ecológica do meio ambiente e da luta por uma alternativa socialista. Isso porque a lógica do mercado e do lucro capitalistas conduz à destruição dos equilíbrios naturais, com conseqüências catastróficas para a humanidade. Esta afirmação pode ser constatada nos fatos acima elencados.
O fundamentos do ecossocialismo encontram-se expressos em dois manifestos: o Manifesto Ecossocialista Internacional, assinados por Joel Kovel e Michael Löwy, datado de setembro de 2001 e disponível em www.ecossocialistas.org.br , onde os autores afirmam que o capital reduz a maioria das pessoas a mero reservatório de mão-de-obra, descartando aqueles considerados inúteis ao mesmo tempo que mina a integridade das comunidades por meio de uma cultura de massas global de consumismo e despolitização; já no 2º Manifesto Ecossocialista (Declaração Ecossocialista de Belém), também disponível na página citada, datada de janeiro de 2009 e assinada por Michael Löwy, Joel Kovel e Ian Angus, os autores enfatizam que as tentativas capitalistas de resolver a crise ecológica fracassaram e que somente uma mudança profunda na própria natureza da civilização pode salvar a humanidade das conseqüências das mudanças climáticas. Assim, o ecossocialismo propõe a substituição dos combustíveis fósseis por fontes limpas de energia; o transporte público gratuito e eficiente; a adoção de uma arquitetura verde sustentável;a produção e distribuição de alimentos, garantindo a segurança alimentar, aliado à criação de agroecossistemas sustentáveis e ao trabalho de renovação da fertilidade do solo.
O ecossocialismo pode vir a ser um caminho, entretanto é necessário superar vários paradigmas, uma vez que a cultura, o sistema de produção capitalista, a sociedade, o pensamento, não mudam de uma hora para outra.
BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Solange. Como pensa e vive um assassino. Revista ÉPOCA nº 591, 14.set.2009, p. 72-82.
BARBOSA, Alexandre de Freitas. Os socialistas e o desafio do desenvolvimento brasileiro. Texto de referência, módulo IV, Curso de Formação, Capacitação e Atualização Política, Escola de Formação Política Miguel Arraes.
BATISTA, Gabriela Barbosa. Fórum Social Mundial e Ecossocialismo. Disponível em: http://juventudedeterrazul.blogspot.com/2009/03/forum-social-mundial-e-o-ecossocialismo.html Acesso em: 16.set.2009.
CRAVEIRO, Rodrigo. Catástrofe humanitária: fome já castiga mais de 1 bilhão. Jornal CORREIO BRAZILIENSE, edição de 17.set.2009. Disponível em: http://www2.correiobraziliense.com.br/cbonline/mundo/pri_mun_95.htm Acesso em: 17.set.2009.
HALL, Bem. França acrescenta felicidade à conta do PIB. Jornal FOLHA DE SÃO PAULO, edição de 15.set.2009, Caderno Dinheiro, p. B12.
JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 2008.
LÖWY, Michael. O que é o ecossocialismo. Disponível em: http://www.democraciasocialista.org.br. Acesso em: 14.set.2009.
MUCHAIL, Salma Tannus. A produção da verdade. Revista CIÊNCIA & VIDA, Filosofia Especial nº 8, ano II, p. 6-11.
Revista VEJA, Especial Amazônia, ano 42, nº 2.130, set.2009, p. 16-17.
VIALLI, Andrea. Seqüestro de carbono chega à agricultura. Caderno de Economia. Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, Edição de 16.set.2009. Disponível em: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090916/not_imp435635,0.php.
Acesso em: 17.set.2009.
www.ecossocialistas.org.br
segunda-feira, setembro 21, 2009
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