sexta-feira, dezembro 08, 2006

A História Natural da Espécie Humana

A História Natural da Espécie Humana


Por

Anelise Martins da Silva,
Fernanda Aléssio Oliveto,
Israel Marcelo de Souza,
Jair Maron Machado de Freitas e
Paccelli José Maracci Zahler

(Alunos do Curso de Especialização em Educação Ambiental - 2006 do SENAC/DF e integrantes do Grupo Gaia)




“O século das luzes inscreve o homem no quadro das espécies animais, mas descobre no mesmo momento que a história natural da espécie humana é, ao mesmo tempo, uma história cultural”.

Gusdorf (1977)



A história da humanidade escreve-se de maneiras diversas, sob o jugo de diferentes processos culturais por que passa a sociedade. Desse modo, o conceito de natureza tem um significado diferente para cada povo. São leituras distintas da realidade, que vão definir paradigmas e direcionar o pensamento das gerações atuais e futuras.

GONÇALVES (2000) afirma ser a natureza dominada "o símbolo do progresso da civilização. Daí a cidade, e não o mundo rural, aparecer como indicador do desenvolvimento". Diante disso, vemos que o homem arvora-se como criador, não apenas planejando e refazendo o espaço, mas projetando novos. Mas, em relação à natureza, o homem tem seu poder reduzido. Ele pode dominar, modificar e destruir, mas não está nas suas mãos a possibilidade de criar. Ambos – homens e natureza – coexistem, e tal coexistência passa por momentos de equilíbrio e outros de intensas crises, numa luta de interesses incutida, fundamentalmente, pelo viés capitalista.

O domínio do homem sobre a natureza foi representado alegoricamente por meio do mito de Prometeu, que, tendo roubado dos deuses o segredo do fogo, revelou-o aos homens, sendo cruelmente castigado. À luz do Renascimento e da razão, o mito é explicado como uma representação do controle humano sobre a natureza. Para PENSAVENTO (1997), "é somente com o amadurecer do processo capitalista em curso que a tecnologia apresentará o seu caráter de domínio não só sobre a natureza, mas também de controle social, dos homens sobre os seus semelhantes".

Ao analisar-se a afirmação de Gusdorf ("O século das luzes inscreve o homem no quadro das espécies animais, mas descobre no mesmo momento que a história natural da espécie humana é, ao mesmo tempo, uma história cultural.") vê-se a questão do homem como animal (homo sapiens) cuja trajetória sobre o planeta dá-se sob o paradigma antropocêntrico e dominador. De acordo com GADOTTI (sem data), a tradição positivista de só aceitar o observável, os fatos, as coisas, trouxe problemas para as ciências humanas, cujo objeto não é tão observável quanto o objeto das ciências naturais. Com a fragmentação do saber, aparece o especialista e as fronteiras entre as disciplinas se alargam. Verifica-se que a história cultural do homem nada mais é que "a soma dos conhecimentos acumulados e transmitidos através das gerações” (AULETE, 2004).

Tais conhecimentos tiveram, a partir das contribuições dos filósofos gregos e romanos, como característica marcante a separação homem-natureza, constituindo-se no centro do pensamento moderno e contemporâneo a partir de Descartes (GONÇALVES, 1990). Daí em diante, nossa visão tornou-se fragmentada e as soluções foram entregues a repartições independentes, sem relação entre si. Como bem exemplifica CONTI (1986), os riscos de explosão competem à associação nacional de controle das combustões; as condições de trabalho aos inspetores de trabalho; os riscos de incêndio e detecção de gases tóxicos, ao corpo de bombeiros.

Nos anos 60 a situação começa a mudar. A idéia de "progresso"passa a ser questionada. Nesse contexto, surge o ambientalismo que, nas palavras de GONÇALVES (2000), "é o único movimento social que, nascido numa época de tantas fragmentações e individualismos, nos convida a pensar o todo". Ele passa a colocar para todos o debate sobre a relação da humanidade com o planeta, a relação das sociedades com a natureza. Questiona sobre a capacidade de suporte do planeta diante das exigências de uma produção de bens materiais que já teria chegado aos seus limites, ainda que com somente uma parte restrita da humanidade participando plenamente do banquete.

O ambientalismo trouxe um forte componente de generosidade e solidariedade social. E ele vem com a intenção de mudar a história cultural, através de um movimento social que, nascido numa época de tantas fragmentações e individualismos, nos convida a pensar o todo. Fala do destino do planeta, dos destinos da humanidade e convida-nos a refletir a respeito do modelo de desenvolvimento.

É a questão ambiental que está em jogo, e é o que vai fazer a espécie humana pensar em sua história cultural e ver o que a mesma está causando, e se questionar: Que destinos dar à natureza, à nossa própria natureza de humanos? Qual o sentido da vida? Quais os limites da relação da humanidade com o planeta? O que fazer com o nosso antropocentrismo quando olhamos do espaço o nosso planeta e vemos o quão pequeno ele é, e nós uma das espécies, entre tantas?

A história cultural baseia-se na perversa desigualdade social gerada pelo sistema selvagem, que faz dos 20% mais ricos do mundo consumir aproximadamente 80% dos recursos naturais do planeta. Em função disso, criamos uma história social cheia de conflitos e tensões e cada vez mais a desigualdade e fragmentação nos conduzem a relações verticais, hierarquizadas, cujo poder midiático toma conta, condicionando-nos e recriando a nossa realidade cultural, tornando-nos cada vez mais "virtualizados" ao invés de enraizados uns com os outros, possibilitando ao império ideológico sua sucessividade.

De acordo com BOFF (1993), as soluções sugeridas para a crise ambiental contemporânea são míopes (conservacionismos, ambientalismos) e não questionam o modelo de sociedade, os paradigmas de desenvolvimento e consumo, principais causadores da crise ecológica mundial.

Conclui-se que, considerando a história cultural como um caminho, este pode ter sido um caminho errado, a partir do momento que o homem se distanciou da natureza e tentou dominá-la. Cabe à humanidade reencontrar o fio da meada e sair do labirinto da crise ambiental que ajudou a erguer. Seus próximos passos definirão o presente e determinarão o tipo de vida que será legado às gerações vindouras.


Bibliografia

AULETE, Caldas. Minidicionário contemporâneo da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

BOFF, Leonardo. Ecologia: um novo paradigma. In: Ecologia, mundialização e espiritualização. São Paulo: Editora Ática, 1993.

CONTI, Laura. Ecologia: capital, trabalho e ambiente. São Paulo: HUCITEC, 1986.

GADOTTI, Moacir. Interdisciplinaridade: atitude e método. Instituto Paulo Freire, Universidade de São Paulo. Sem data. Disponível em: http://www.paulofreire.org/Moacir_Gadotti??/Artigos/Portugues/Filosofia_da_Educacao??/Interdisci_Atitude_Metodo_1999??.pdf .Acesso em: 21 jul. 2006.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. O conceito de natureza não é natural. In: Os (des)caminhos do meio ambiente, Contexto, 1990.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Natureza e sociedade: elementos para uma ética da sustentabilidade. In: QUINTAS, José Silva (org.). Pensando e praticando a educação ambiental na gestão do meio ambiente. Brasília: Ibama, 2000.

PENSAVENTO, Sandra Jatahy. Exposições Universais: espetáculos da modernidade do século XIX. São Paulo: HUCITEC, 1997.

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