segunda-feira, dezembro 04, 2006

Um pouco de história da relação homem-natureza



Paccelli José Maracci Zahler é engenheiro agrônomo e ecólogo.

Página pessoal: http://www.geocities.com/paccelli

“No mundo ocidental, a visão de que a natureza era uma fonte de recursos foi fundamental para o desenvolvimento capitalista”

Por Paccelli José Maracci Zahler

O conceito de natureza foi sendo construído ao longo da evolução da sociedade e teve diferentes significados.
Nas sociedades nômades e coletoras, a natureza era sagrada, não havia separação entre espírito e matéria e todos os seres vivos pertenciam ao mesmo mundo.
Na Grécia Antiga, os filósofos pré-socráticos utilizavam a palavra “physis” para designar a totalidade de tudo o que é ou, como dizia de Tales de Mileto, tudo está cheio de misteriosas forças vivas que habitam a “physis”; a distinção entre a natureza animada e inanimada não tem fundamento, já que tudo tem alma.
A visão dos filósofos pré-socráticos guarda certa semelhança com o conceito de “Tao" dos chineses do século IV a.C., conforme as palavras de Lao-Tsé no Poema I do livro “Tao Te Ching, o Livro que Revela Deus”:
O Insondável (Tao) que não se pode sondar, não é o verdadeiro Insondável.
O Inconcebível que se pode conceber, não indica o Inconcebível.[...]
Ser e Existir são a Realidade total.
A diferença entre Ser e Existir é apenas de nomes.

Tanto os filósofos pré-socráticos quanto Lao-Tsé, no seu tempo e na sua cultura, viam a natureza como uma unidade.
No apogeu da civilização grega, Sócrates, Platão e Aristóteles influenciam a mudança do conceito de natureza, com a desqualificação dos filósofos pré-socráticos e a valorização do homem e suas idéias. Nesse período, começa a separação do homem e da natureza.
A incorporação da filosofia grega pela tradição judaico-cristã deu origem ao antropocentrismo, onde o homem era o centro do universo, criado à imagem e semelhança de Deus e capaz de dominar a natureza.
No século XVII, o antropocentrismo passou a influenciar a ciência e Renée Descartes (1596-1650) apresentou a idéia de que a natureza existia para servir ao homem, o qual poderia dominá-la pelo conhecimento científico.
A partir desse paradigma, a ciência avançou e, no século XIX, o conhecimento científico tornou-se o meio quase exclusivo de compreensão do mundo, acompanhado de uma profusão de invenções e inovações, que permitiram uma exploração mais intensiva dos recursos naturais.
Nascia a Revolução Industrial, considerada a origem do sistema capitalista,onde o trabalho dos artesãos foi sendo substituído pela industrialização.
A Revolução Industrial teve início na Inglaterra no final do século XVIII, expandindo-se para os demais países europeus no século XIX.
Seu surgimento deveu-se a três causas: a) a necessidade de substituir a madeira, já escassa, por outros materiais e fontes de energia, havendo necessidade de invenções e inovações integradas à produção; b) a mudança nas políticas coloniais, com a formação de mercados consumidores para os produtos europeus; e c) a acumulação de capital para viabilizar investimentos, o que permitiu o aparecimento da burguesia (proprietários de fábricas, de bancos, de empresas de comércio e transporte), a propriedade privada, a migração de camponeses (sem-terras) para as cidades e o trabalho assalariado.
A natureza passou a ser vista como fonte de matérias-primas para o funcionamento das indústrias e o modelo da sociedade industrial foi transplantado para os ecossistemas, os quais deveriam subordinar-se a ela. Conseqüentemente, houve um aumento da degradação ambiental. Este fato foi indigitado pelo geógrafo francês Jean Brunhes, no século XIX, chamando o modelo de produção surgido com a Revolução Industrial como “economia de rapina” ou “economia destruidora”, onde a exploração dos recursos naturais era feita sem preocupação com o ritmo natural de sua reposição.
Passou-se a ter uma visão fragmentada da natureza e perdeu-se a noção do todo como apregoavam os filósofos pré-socráticos.
Esse fato pode ser ilustrado com a fábula dos três hindus cegos que foram levados a conhecer um elefante. O primeiro apalpou a presa e o definiu como uma lança; o segundo, a cauda, e o definiu como uma corda; o terceiro tocou-lhe o corpo e disse que era uma parede.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
BAKER, Douglas. A abertura da terceira visão. Rio de Janeiro: Record, 1993.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. O conceito de natureza não é natural. In: Os (des)caminhos do meio ambiente, Contexto, 1990.

LAO-TSÉ. Tao Te Ching, o livro que revela Deus. São Paulo: Martin-Claret, 2003.

SENAC. Sociedade, natureza e desenvolvimento. Bloco temático I. E-book do Curso de Educação Ambiental, Brasília, Distrito Federal, 2006.



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